Ciência cidadã: projeto usa tecnologias livres para monitoramento meteorológico

Foto: Márcia Schuler

 

Em 2016, a cidade de Porto Alegre (RS), registrou uma tempestade de vento histórica. Infelizmente, não é possível informar a velocidade do vento no olho dessa tempestade porque na região onde ela ocorreu não há monitoramento. Na capital gaúcha, que contabiliza quase 1,5 milhão de habitantes, há apenas uma estação meteorológica de observação do Instituto Nacional de Meteorologia (InMet).

Essa foi apenas mais uma das situações que levou um grupo de pesquisadores Centro de Tecnologia Acadêmica (CTA) a refletir: se há tecnologia digital abundante para lidar com o monitoramento ambiental, por que temos informações tão escassas? Eles chegaram a algumas respostas.  Em geral, a tecnologia utilizada no monitoramento é proprietária, o que torna o conhecimento inacessível. Além disso, os custos são muito altos. Pensaram, então, em formas de resolver esse problema, e o conhecimento livre foi a resposta encontrada.

Guiado pelo conceito de ciência cidadã, livre e colaborativa, surgiu o projeto das Estações Meteorológicas Modulares (EMM), com base em tecnologias livres – hardware e software, documentação aberta e disponível (veja http://cta.if.ufrgs.br/projects/estacao-meteorologica-modular) e licenças permissivas. Além disso, os cadernos de laboratório também são abertos, e os dados são de domínio público.

Leonardo Sehn, pesquisador e colaborador do CTA, explicou na manhã desta sexta-feira (13) o processo de desenvolvimento das estações, realizado durante seu mestrado, na palestra EMM: Monitoramento Ambiental Colaborativo em Comunidades Escolares Emancipadas, no FISL 18. Quando Sehn iniciou o trabalho, a plataforma de dados (http://dados.cta.if.ufrgs.br/emm2/) das EMM já estava bem organizada – mas ele lembra que o projeto segue em construção e convida os interessados a contribuírem para o trabalho. Portanto, seu projeto focou especialmente na estruturação das EMM.

A placa de controle da EMM é feita a partir de Arduino e NodeMCU (Amica ou LoLin), utilizando FlatCAM, para gerar o arquivo de código G; Universal G-code Sender, para operação da máquina (controla e manda arquivos de código G); e KiCad para desenho das placas. A equipe também desenvolveu um chatbot de Telegram (se quiser saber mais, não perca a palestra Chatbot livre: Colaboratividade, Educação e Monitoramento Ambiental, que acontece no FISL 18 no sábado, 14, às 12h na sala 1). Para fabricar as estações, a equipe utilizou a infraestrutura do Laboratório de Fabricação do CTA, que contava com uma Bancada de Hiperobjetos, composta por um conjunto de máquinas de fabricação digital e ferramentas digitais.

Na placa de controle da EMM, foram utilizados sensores acessíveis de temperatura, luminosidade e pressão atmosférica – acessibilidade e modularidade são conceitos-chave do projeto. O custo foi de R$ 151,50, e o sistema eletrônico completo foi R$ 220. Para Sehn, a usinagem da placa pode ser considerada a etapa crítica da fabricação, para a qual foi usada a Fresadora PCI João-de-Barro, um método livre, mas ainda não disseminado.

Na sustentação mecânica da EMM, acessibilidade e modularidade também foram essenciais, assim como a resistência. Por isso, foi utilizado alumínio com peças de acrílico, em um custo total de R$ 196, além do valor das ferramentas, de R$ 300. Inspirados pelos conceitos de cidadania e liberdade, a fabricação da estação também foi colaborativa: foram nove encontros e nove pessoas participaram do processo, entre estudantes de graduação e de pós-graduação.

Tendo a estrutura pronta, era o momento de colocá-la em ação: o modelo Trepadeira (cujo nome se refere à forma como ele foi fixado) foi batizado como OraProNobis CTA foi instalado em um ambiente externo do laboratório em um mutirão com três participantes em um total de seis dias de montagem (a documentação está disponível na tarefa 484 do site do projeto). O custo foi de R$ 405, e a alimentação da EMM foi feita via rede elétrica, sendo o WiFi proveniente da rede do CTA.

A segunda estrutura foi instalada junto ao InMet, para que houvesse uma referência oficial de comparação. Diferentemente do modelo Trepadeira, o EMM Butiá Inmet foi fixado no solo, em um novo mutirão com duração de quatro dias. Lá, a alimentação é via bateria, e o WiFi é roteado por um celular próximo à estação. O custo foi de R$ 581 (mas ainda não estão contabilizadas uma placa solar e um controlador).

“Como estamos falando em tecnologias novas e acessíveis, temos também que saber verificar a qualidade dos nossos dados e da resposta dos sensores que vamos usar”, defendeu Sehn. A primeira análise foi feita a partir de 14 dias de dados comparados entre a EMM Butiá e a estação oficial do InMet. Foram 338 medidas de três parâmetros: temperatura, umidade e pressão. Os resultados de temperatura e foram bastante próximos: enquanto o InMet registrou 24,52ºC, os dois sensores da estação registraram 24,54ºC e  24,57ºC, assim como os de pressão (InMet: 1005,83 hPa e EMM: 1007,60 hPa). O maior desafio foi encontrado na medição de umidade, em que o InMet registrou 73,92% e a EMM 65,29%, algo que ainda vai ser aprimorado no projeto.

As EMM foram pensadas junto aos estudantes do Colégio de Aplicação, em Porto Alegre, por meio do CTA.Jr. Lá, foram realizadas oficinas de introdução a Arduino e montagens de protótipos de circuitos demonstrativos em protoboard, além de estudos relacionados à atmosfera.

“A nossa ideia é montar uma floresta de EMM em diversas escolas. Nosso caminho para isso é um Guia da Comunidade, com todos os recursos educacionais livres”, contou Sehn, lembrando que o Guia também está disponível no site do CTA. “Nós acreditamos que a área da educação tem vocação para a transformação social e para promover a emancipação tecnológica com tecnologias livres”, acrescentou.

Atualmente, o objetivo de Sehn é levar o projeto para dentro das escolas e promover metodologias colaborativas no ambiente escolar e, para isso, foca em ter um protótipo robusto para oferecer. Além disso, planeja fortalecer o software da plataforma para pensar formas de interação entre as estações.

Para disseminar o projeto local e internacionalmente, o objetivo é a participação em comunidades e eventos. Entre as iniciativas está a Escola Itinerante de Tecnologia Cidadã Hacker (EITCHA) do CTA – lembrando que a palestra EITCHA! A Escola Itinerante de Tecnologia Cidadã Hacker ocorre neste sábado (14) às 13h na sala 1.

Texto: Márcia Schuler