Acolhimento e sororidade: mesa reúne mulheres inspiradoras para falar de TI no FISL18

Foto: Thomaz Rodriguez

Um espaço de acolhimento e sororidade: esse foi o clima criado na manhã desta quinta-feira (15) na mesa A participação das mulheres no Software Livre, realizada no Fórum Internacional Software Livre (FISL) 18. Em um ambiente em que ainda é raro mulheres serem maioria, como é o caso da tecnologia, a presença feminina imperou.

O que inicialmente era um debate estimulado por quatro palestrantes – Claudia Archer, Fabianne Balvedi, Karina Menezes e Ana Cristina Fricke Matte – se transformou uma roda de conversa aberta entre mulheres falando sobre a academia, o mercado de trabalho, a vida.

Os dados mostram a necessidade desse tipo de debate: segundo a Unesco, apenas 17% dos programadores no Brasil são mulheres e, de acordo com pesquisa da Harvard Business Review, 41% das mulheres que atuam na área de tecnologia desistem de suas carreiras, contra apenas 17% dos homens.

“Este é o nosso principal objetivo aqui hoje: incentivar meninas e mulheres a permanecerem na TI”, disse Claudia, doutora em políticas públicas  e ativista do software livre.

Claudia apontou que, ainda hoje, a maior parte das tecnologias é criada por homens brancos, e isso faz com que elas tenham suas características, sendo pouco diversas. Ela lembrou, ainda, que em sua trajetória como técnica em um mundo predominantemente masculino chegou  a trabalhar em um grupo de 30 pessoas, mas apenas duas eram mulheres.

“A presença feminina é fundamental. Precisamos de visões que se complementem”, disse.

Pós-doutora em fonoestilística, Ana Cristina Fricke Matte sempre atuou na área de letras, mas utilizar software livre em seus trabalhos a inseriu em universo diferente: enquanto nas letras a maioria dos estudantes era composta por mulheres, na tecnologia a realidade era inversa.

O machismo, segundo ela, sempre esteve presente em ambos – afinal, está arraigado em nossa cultura. “Acredito que o mais importante não seja pensar a diferença entre os sexos ou que é necessário dar mais espaço as mulheres. Temos que dar espaços iguais. A questão toda deve ser baseada em igualdade”, defendeu.

Karina Menezes, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e presidente do Raul Hacker Club, em Salvador (BA), acredita que o caminho para a igualdade passa pelo diálogo com os pares.

“Eu não vou perder tempo respondendo ataques machistas. Mas vou gastar o tempo que for necessário para fortalecer minhas amigas para que isso não as abale”, afirmou. “Foi isso que eu aprendi com a comunidade do software livre e como soube que era feminista. Talvez em alguns anos não precisemos desse movimento, mas agora, precisamos”, acrescentou.

Também ressaltando a importância do fortalecimento de uma rede de sororidade, Fabianne Balvedi recordou a história de Larissa Garcia, programadora desde os seis anos e que, na adolescência, começou a sofrer bullying dos colegas por isso. Ela quis se esconder e pensou em parar de dar palestras sobre o tema, até que descobriu que outras pessoas também passavam por isso. Então, fez questão de falar em público: queria inspirar outras meninas.

Então essa mesa é para isto: para dizer que coisas ruins podem acontecer, mas que é preciso ocupar esses espaços da tecnologia. É importante saber que isso acontece com outras pessoas, que errar faz parte e que muitas vezes os erros das mulheres são amplificados”, disse Fabianne.

Drops de inspiração

Com o espaço aberto para intervenções, diferentes mulheres, com distintas formações e origens compartilharam suas histórias para inspirar as tantas outras presentes.

Juliana Oliveira, estudante de sistemas de informação e coordenadora do projeto Meninas Digitais, em Salvador, trouxe um dado significativo: na sua graduação, apenas 16% eram mulheres.

“A diversidade, e isso inclui mulheres, mas também todas as minorias,  é essencial para o desenvolvimento de tecnologia. Senão, como vamos atender a todos ao desenvolver uma nova tecnologia?”, questionou, recordando casos como um dispenser de sabão que não funcionava em mãos negras e uma câmera que, supostamente, seguia o movimento humano, mas também não funcionava com pessoas negras.

Daiane Alves, do Rio de Janeiro (RJ), cansou de ser a única mulher nas comunidades que frequentava e no mercado de trabalho. Se tornou organizadora da comunidade PHPRio, fundadora da comunidade PHPWomenRJ e fundou sua própria cooperativa, a Lyseon Tech, onde atua como analista de sistemas.

Professora de comunicação social, Pricilla Andrade, de Salvador, buscou inspiração em uma roda de discussão entre mulheres, passou a usar software livre e criou uma web rádio na Universidade Federal da Bahia, onde trabalha. Hoje, todas as monitoras da iniciativa são mulheres.

Aimée Sousa, de Campo Grande (MS), se graduou em ciências da computação. Das 60 pessoas que entraram com ela no curso, seis eram mulheres – e apenas duas se formaram. Para ela, esse afastamento das mulheres das áreas de exatas acontece desde a infância.

“Por que não há tantas mulheres que querem ser cientistas? É importante pensar se a criança está tendo contato com todas as opções, independentemente do gênero”, disse. Hoje, ela faz mestrado em ciência da computação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Wilkens Lenon, mestre em educação matemática e tecnológica, defendeu que o hackeamento da cultura machista deve começar dentro de casa. Para ele, a convivência com a esposa e as duas filhas foi essencial para a sua própria desconstrução e o fez entender a importância do feminismo.

A pioneira da programação

Para acompanhar as muitas histórias inspiradoras apresentadas na mesa, é também importante lembrar da inspiração pioneira: a primeira programadora da história foi uma mulher, Ada King Lovelace, nascida em 1815. Entre 1842 e 1843, ela escreveu o primeiro algoritmo especificamente criado para implementação em um computador, permitindo que a máquina de Charles Baggage calculasse funções matemáticas.

Texto: Márcia Schuler